Páginas

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

TEMPORALIDADE, ESPACIALIDADE E TRAVESTILIDADE.

O tempo, em suas distintas manifestações, determina os modos de relação da sociedade moderna por meio da cronologização e da durabilidade. Como um deus moderno, ele impõe sua lógica linear à razão, aos afetos e aos conflitos para, com isso, acumular o sentido da produção. Como senhor da modernidade, ele define o conceito de masculinidade. Operado no espaço público e como sujeito da produção o ser tempo/masculino reina absoluto nas relações humanas. Analogamente, o espaço, subordinado ao tempo, é o sujeito da reprodução. Como tal, é na junção dominante do tempo sobre o espaço que a vida se reproduz. Sendo o tempo definidor da idéia de masculinidade, também define o espaço como metáfora da feminilidade.

O Tempo - Kronos que castra o pai e engole os filhos - subjuga o espaço para que o mesmo possa reproduzir dentro de uma lógica linear e produtivista. Homens e mulheres são forjadas na perspectiva da temporalidade para se constituirem nessa dicotomia hierárquica, no qual o feminino é subjugado pelo masculino. Filhas do Tempo, as crianças sofrem sua ação para se tornarem adultas. As práticas pedagógicas, desde os brinquedos mais ingênuos aos métodos mais revolucionários, operam-se em função do tempo para garantir que meninas sejam reprodutivas e submissas ao tempo e meninos sejam produtivos e dominadores do espaço.

O que acontece quando o tempo é tomado de assalto pelo espaço? Como Zeus, que escondido por sua mãe Réia e Gaia, destrona Kronos e liberta seus irmãos, o Espaço, toma por assalto o reinado do Tempo, o subjuga e subverte toda lógica de produtividade e linearidade para fazer nascer a Travesti. A travestilidade não é apenas o Espaço, muito menos o Tempo. Para compreende-la é preciso acompanha-la nesse processo de subverção ao criar uma fratura no Tempo, bem como libertar o Espaço da linearidade e durabilidade. Não se trata de um rompimento com o Tempo, mas de subverção no corpo das relações entre tempo e espaço. A transgressão opera-se corporalmente, cuja operação subjuga o tempo ao espaço.

Constituir-se travesti é subjugar a razão pela forma; é preterir a linearidade pela fratura; é castigar o desejo pelo prazer; é desconstruir a lógica de produtividade em busca de uma outra lógica de existência. Não, a travesti, ao se perceber e se afirmar como tal, não o faz racionalmente, até porque a razão é subjugada pela forma. Mas sua experiência traz a nos uma outra pedagogia da existência. Qual seja? ainda há que se perceber, ainda há que se entender, mas para isso é preciso que nos tornemos culturalmente travestis.

Nenhum comentário:

Postar um comentário