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quinta-feira, 11 de outubro de 2012

SOL NUBLADO EM MACAPÁ?


          
           Hoje fui surpreendido com a notícia de que o candidato à prefeitura de Macapá pelo PSOL - Clécio Luis - conseguiu ir para o segundo turno por meio da coligação com partidos bastante questionáveis. Possa parecer estranho, para quem sabe que sou militante do PSOL, somente agora descobrir tal informação. A razão se deve por dois motivos: minha filiação somente aconteceu em março deste ano, como também pelo fato de não pautar minha militância nas eleições municipais, estaduais e federal, posto que o cenário resultante desse processo é sempre desanimador.
            A maior parte da militância do PSOL rompeu com o PT devido ao seu fisiologismo político na disputa eleitoral, às questionáveis alianças com setores da direita que permitiram a eleição de Lula à presidência em 2002 e, principalmente, o vale-tudo na disputa pelo poder. Grosso modo, o que define um partido de esquerda é a sua não ilusão nos mecanismos de poder da sociedade capitalista. Obviamente, não significa ausentar-se do processo eleitoral, mas participar dele para evidenciar as contradições mascaradas de democracia, transmudadas em aparelhismo estéril da máquina capitalista.
           
            Recorrentemente, as pessoas tem associado o PSOL ao PT do início e tal associação é feita às vezes como comentários negativos resultados da analogia entre ambos e da transferência do que se possa tornar o PSOL no futuro. Embora tais comentários possam soar maldosos, não deixam de ter uma utilidade como aviso para que a autocrítica seja uma constante em meu partido.
            Nesse sentido, a coligação que levou Clécio ao segundo turno na capital do Estado do Amapá é um prenúncio do cuidado que o PSOL deve ter para não repetir a história e não se tornar igual ou pior do que é o PT hoje. Coligado a partidos como o Partido Verde  (PV), o Partido da Mobilização Nacional (PMN), o Partido Trabalhista Cristão (PTC) e o Partido Renovador Trabalhista (PRTB), no Macapá, o PSOL ameaça por em dúvida a confiança que o movimento LGBT tem depositado nele - confiança resultada das significativas atuações de parlamentares do PSOL no Congresso Federal e nas Assembléias Legislativas.
            No que se refere à pauta LGBT, dois problemas apresentam-se nessa coligação: o primeiro é o fato de esses partidos terem parlamentares atuantes abertamente contra a garantia dessas pautas; o segundo é o fato de, por serem apontados como partidos de aluguel, seus candidatos são escolhidos por outros motivos que não  um filtro ideológico.
            Segundo material divulgado na internet, orientando os eleitores LGBT, feito por Leandro Oliveira[1], o PV já foi um bom partido pró-LGBT, mas as candidaturas de evangélicos fundamentalistas como a do deputado federal Roberto de Lucena, torna aconselhável o eleitor pensar duas vezes antes de votar nele. Esse deputado foi o relator que deu parecer favorável ao projeto de lei feito pelo Deputado Federal do PSDB João Campos, projeto que pretende legalizar a "cura" de homossexuais, além de cinco deputados federais desse partido terem assinados essa PEC . Vale lembrar que, em 2010, Marina Silva, candidata à presidencia por esse partido manifestou-se contrária a aprovação do casamento civil e, num surto de democratismo, afirmou que, caso eleita, faria um plebiscito sobre o tema, esquecendo que Direitos Humanos não se negociam.
            O PMN também não é indicado como um bom partido para a população LGBT por dois motivos: primeiro porque faz parte dele a única deputada federal Jaqueline Roriz, acusada de, junto com o marido, receber um maço de dinheiro das mãos de Durval Barbosa, delator do Mensalão do DEM, após notícia divulgada pelo jornal Estado de São Paulo em 4 de março de 2011[2];  o segundo motivo deve-se ao fato de um vereador desse partido no Rio de Janeiro votou a favor da lei de Carlos Bolsonaro pela proibição de materiais sobre diversidade sexual nas escolas do município[3].
            Também o PRTB, partido de Levi Fidelix, está entre os não indicados. Em agosto de 2010, o site casamento civil igualitário publicou o posicionamento dos presidenciáveis sobre o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, questionados em uma sabatina pelo R7[4]. Levi Fidélix, fundador do PRTB, manifestou-se contrário ao casamento, mostrou-se preconceituoso e desinformado, associando a homossexualidade à doença, desvio e pecado.
            Ainda considerando o levantamento feito por Oliveira, o PTC foi o partido que elegeu Clodovil Hernandes em 2006 para Deputado Federal, cuja atuação, além de elitista e misógina, o fez aliar-se em vários momentos com deputados homofóbicos, bem como manifestar-se contra os direitos LGBT. Embora gay assumido, Clodovil era de uma consciência política retrógrada e moralista, prejudicando significativamente as bandeiras contra a homofobia e pelos direitos LGBT.
            Com sua morte em 2009, foi substituído pelo Coronel da Polícia Militar de São Paulo Jairo de Paes Lira, também do PTC, conhecido pelos seus constantes ataques aos direitos da população LGBT. Só para citar um caso, em 2010, esse deputado criticou a decisão do STJ por ter garantido o direito à adoção para um casal de lésbicas. Vale dizer que esse deputado tem veementemente atacado a descriminalização do aborto, pauta tão cara para o movimento feminista e que também é pauta reivindicada pelo movimento LGBT[5].
            Outro problema nessa coligação é o fato de alguns desses partidos serem conhecidos como partidos de aluguel, isto é, usado por um partido mais forte com finalidade estratégica, como por exemplo, ampliar o tempo de televisão; utilizar esse tempo apenas para atacar opositores ao partido indiretamente ligado; compor coligação para ampliar o número de candidatos, entre outras funções. O mais perigoso nesses partidos é que, servindo ao vale-tudo eleitoral, tornam-se espaços para "celebridades" sem compromisso com a coisa pública, os quais elegem-se não por uma boa candidatura, mas pela fama que gozam entre seus fãs. É o caso da "cantora" Lauriete - celebridade versão gospel - do PSC, cuja atuação no Congresso afronta o Estado Laico, além de militar contra os direitos humanos da população LGBT.
            Embora o PPS seja um partido pró-LGBT e estatutariamente socialista, na prática tem compactuado com o que há de mais reacionário na política brasileira. Em São Paulo, Soninha, candidata a prefeitura por esse partido, fez parte da gestão Kassab, cuja principal política foi de higienização com fins de favorecer a especulação imobiliária no vergonhoso ataque aos moradores de rua na região do Centro conhecido como Cracolândia. Também apoiou a candidatura de Geraldo Alckmin para Governador de São Paulo e que, logo depois de eleito, foi responsável pelo massacre do Pinheirinho.
            Diante dessas informações apresentadas, pergunto ao PSOL de Macapá: o vale-tudo eleitoral será aceito em detrimento dos direitos humanos fundamentais da população LGBT? Caso o Clécio ganhe a prefeitura, estará disposto a abrir mão de princípios estatutários do PSOL por conta da aliança com esses partidos? Porque certamente ele será cobrado por esses fisiologistas que têm causado muito mal às políticas públicas e violado a Constituição Federal.
            Minha filiação ao PSOL não significa voto de silêncio, principalmente diante de absurdos como esse. Por uma questão de compromisso político que tenho com a bandeira LGBT e com a luta pelos Direitos Humanos é que faço publicamente essa cobrança ao companheiro Clécio Luis e ao PSOL de Macapá.
            Não sou militante do PSOL no movimento LGBT, pelo contrário, sou militante LGBT no Partido Socialista e Liberdade. Podem até argumentar haver questões específicas locais que tenham motivado essa coligação, mas é preciso entender a política em sua totalidade. Alguns podem alegar certo puritanismo, mas não se trata disso. Trata-se de entender que a pauta LGBT, a pauta feminista, do movimento negro, do movimento indígena, a concepção de economia, de segurança pública, de saúde, de educação, de moradia, estão em diálogos constantes e não podem ser interrompidos por partidos fisiologistas, nem sufocadas pelo vale-tudo eleitoral. Do contrário, coligações como essa podem tornar-se uma grande nuvem que apagará o sol e nos devolverá às trevas políticas contra o que tanto lutamos.


[1] http://www.eleicoeshoje.com.br/outros-partidos-que-nao-merecem-seu-voto/#axzz28x6aKKAf
[2] essa informação evidencia que o trabalho de Leandro não está focado apenas na pauta LGBT, mas sobretudo no compromisso com a ética na política brasileira.
[4] http://casamentoigualitario.wordpress.com/
[5] http://www.votopelavida.com/paesdelira.htm

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