A
IGREJA ESTÁ NUA
Jonathan Swift
Os sete pecados capitais responsáveis pelas injustiças sociais são: riqueza sem trabalho; prazeres sem escrúpulos; conhecimento sem sabedoria; comércio sem moral; política sem idealismo; religião sem sacrifício e ciência sem humanismo.Mahatma Gandhi
Dois acontecimentos recentes evidenciaram a crise de princípios da fé cristã, tanto católica, quanto protestante, em nível nacional e internacional: a renúncia do Papa Bento XVI e a ascensão do Deputado Federal, conhecido como pastor, Marco Feliciano à presidência da Comissão dos Direitos Humanos e Minorias (CDHM) da Câmara Federal brasileira. Com a ascensão e descensão desses dois líderes religiosos, evidenciou-se a vergonhosa relação entre a fé cristã e o capital. Embora Ratzinger não tenha confirmado a razão de sua renúncia, tal atitude expôs a situação das contas do Vaticano e os escândalos sobre as transações do Banco do Vaticano. A eleição de Feliciano à Comissão trouxe à tona o processo no STF em que ele é acusado de estelionato, como também um vídeo que mostrou sua prática de convencimento a seus fiéis doarem quantias vultuosas de dinheiro, como também bens materiais.
O papa é a liderança maior da Igreja
Católica Apostólica Romana, cujo corpo está fragmentado historicamente em divergências e oposições
teológicas antagônicas. Diferentemente deles, Marco Feliciano é apenas um entre
as muitas lideranças protestantes de diferentes segmentos teológicos no Brasil
e no mundo. Apesar de não representar a totalidade dos evangélicos no Brasil,
os posicionamentos teológicos do deputado foram seguidos de um enorme silêncio
por parte de outras lideranças até antes da sua eleição. Depois disso, alguns
líderes passaram a discordar de muitos desses posicionamentos. Contudo, a
maioria compactua com a visão retrógrada desse deputado sobre a ameaça à
família caso o Congresso garanta direitos à população LGBT. Prova disso é a
Frente Parlamentar Evangélica composta por parlamentares religiosos de
diferentes denominações.
Com a renúncia de Ratzinger, a ICAR
fez aquilo que melhor soube fazer em toda sua existência: apagar a fumaça criada,
tampar a vergonhosa promiscuidade entre a fé e o capital e eleger um substituto
que encenasse uma humildade para recuperar a sua perdida boa integridade
cristã. Do mesmo modo, as instituições protestantes viram que o cheque em
branco dado à Feliciano para fazer o serviço sujo contra os direitos da
população LGBT lhes custaria muito caro e, agora, alguns tomam posicionamentos
públicos contra ele, enquanto a maioria preferem afastar-se calados para não ter
que assumir os irresponsáveis posicionamentos de violação contra os Direitos
Humanos feitos por este deputado.
Marco Feliciano manifestou-se contra
o reconhecimento dos direitos da população LGBT de modo a causar vergonha a
qualquer cidadão sensato: acusou-os de serem os responsáveis pela AIDS, afirmou que "o podre sentimento dos homoafetivos
levam ao ódio, ao crime, à rejeição", como também acusou o movimento
LGBT de querer instaurar uma Ditadura Gay no Brasil. Obviamente, a lógica de
exclusão que lhe faz pronunciar tais enunciados não se isola dos demais grupos
historicamente excluídos: na mesma sequência de pensamento, afirmou que
africanos descendem de ancestral amaldiçoado por Noé; afirmou também que os
direitos às mulheres que garantam igualdade aos homens ameaçam a família. Somente estes
últimos posicionamentos causaram um incômodo e afastamento de várias lideranças
protestantes em relação ao deputado.
RACISMO E
MACHISMO MOTIVADO POR UMA HOMOFOBIA TEOLÓGICA
Tais pérolas não são uma
justaposição de preconceitos contra a população negra, as mulheres somados ao preconceito contra a população LGBT. Pelo contrário, analisando seus argumentos
vemos uma linha de raciocínio comum entre os três discursos.
Conforme noticiou o site UOL sobre a polêmica da afirmação de que africanos descendem de ancestral amaldiçoado por Noé, o motivo desta afirmação deveu-se à crença do pastor de que houve uma prática de abuso sexual do filho contra o pai, identificado pelo pastor como o 1º ato homossexual da história:
Conforme noticiou o site UOL sobre a polêmica da afirmação de que africanos descendem de ancestral amaldiçoado por Noé, o motivo desta afirmação deveu-se à crença do pastor de que houve uma prática de abuso sexual do filho contra o pai, identificado pelo pastor como o 1º ato homossexual da história:
"Antes, o pastor evangélico disse que a maldição sobre a
África supostamente provém do "1º ato de homossexualismo da
história". "Sendo possivelmente o 1o. Ato de homossexualismo da história.
A maldição de Noé sobre canaã toca seus descendentes diretos, os
africanos", afirmou também".
http://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2011/03/31/deputado-federal-diz-no-twitter-que-africanos-descendem-de-ancestral-amaldicoado.htm
(acessado dia 08 de abril de 2013)
Do mesmo modo, sua declaração a
respeito dos direitos das mulheres constrói-se sobre a mesma lógica associativa
às práticas homossexuais. Conforme noticiou O Globo, para o pastor, tais
direitos farão com que as mulheres ou não casem ou casem com uma outra mulher o
que, em ambos os casos, ameaçam a instituição familiar:
“Quando você estimula uma mulher a ter os mesmos direitos do
homem, ela querendo trabalhar, a sua parcela como mãe começa a ficar anulada,
e, para que ela não seja mãe, só há uma maneira que se conhece: ou ela não se
casa, ou mantém um casamento, um relacionamento com uma pessoa do mesmo sexo, e
que vão gozar dos prazeres de uma união e não vão ter filhos".
http://oglobo.globo.com/pais/marco-feliciano-diz-que-direitos-das-mulheres-atingem-familia-7889259
(acessado em 08/04/2013)
Seus discursos contra a população
negra afrodescendente e contra as mulheres tem como pano de fundo um tema
apoiado pela grande maioria das lideranças protestantes: a de que a garantia
dos direitos humanos pelo Estado para a população LGBT ameaça a família. A
diferença é que, a partir desta premissa comum, Marco Feliciano vai além e
comete impropérios não compactuados com estas outras lideranças. Mas é fato:
Marco Feliciano é o monstro criado por esta teologia equivocada tanto
protestante quanto católica.
O DEUS QUE MATA
Outras pérolas pronunciadas por este
deputado que escandalizou o meio cristão e a sociedade em geral foi a afirmação
de que Deus, por ofensa pessoal, foi o responsável pela morte tanto de John Lennon,
quanto pela morte da banda Mamonas Assassinas. Segundo o pastor deputado, no caso do cantor
britânico, componente de uma das maiores bandas, The Beatles, o Pai Todo-Poderoso ficou ofendido pelo cantor ter se
comparado ao filho e, considerando isto inadmissível, mandou alguém alvejá-lo
com especificamente três tiros de modo que a resposta à ofensa fosse entendida,
isto é, cada bala correspondendo a uma das pessoas da santa trindade. Quanto
aos Mamonas Assassinas, a ira divina deveu-se ao fato de tal banda colocar
palavrões na boca das crianças.
Tais impropérios chegou a doer nos
ouvidos mais conservadores. Embora absurdos, esses argumentos dão consequência
ao modo como as diversas tradições teológicas concebem Deus: um poderoso Monarca
que, embora sendo Deus, carrega em si todo sentimento humano, isto é, o Todo Poderoso se ira, se
entristece, se arrepende, lamenta, se vinga, não se deixa escarnecer, castiga e, sobretudo, vigia. Em outras palavras, Deus é definido como um grande Panóptico que está a vigiar
cada sentimento, pensamento e ação humana - o Grande Irmão que olha, avalia e
pune as ações que não lhe agradam. O Deus cristão é o Ser Controlador e, a certeza de tal controle, leva
seus fiéis ao louvor constante para apaziguá-lo e não cair em sua ira divina.
A
IGREJA ESTÁ NUA
Leonardo Boff em um dos seus artigos
- "Francisco ficou nu para cobrir a
nudez do Papa" - conta-nos o episódio da morte do Papa Inocêncio III,
cujo corpo foi coberto de ouropéis, jóias, ouro, prata e signos do duplo poder
sagrado e secular. À meia noite, após todos se retirarem do local onde o corpo
era velado, alguns ladrões entraram sorrateiramente na catedral e roubaram
todos esses objetos deixando o corpo do pontífice nu. Francisco de Assis, vendo
o seu líder religioso nu, arrancou sua roupa e o cobriu.
A história contada por Boff
serve-nos de alegoria para a atual situação da igreja, tanto católica, quanto
protestante. Assim como o Papa, as igrejas protestantes, sobretudo as neo pentecostais, da qual pertence o deputado, abandonaram seus princípios
cristãos para erguerem grandes impérios: ocupam as mídias televisivas, fazem
milagres televisionados, propõem metas, apelam a seus fiéis para doarem vultuosos dízimos e ofertas em troca da promessa de prosperidade, constroem grandes
templos e se espalham pelo mundo com um projeto colonizador e violento conforme
temos visto. Tudo feito em nome da liberdade religiosa garantida pela Constituição
Federal. Embora tais práticas têm, há muito tempo, causado incomodo em setores da sociedade, os mesmos preferiram calar-se, até o momento, com medo de afrontar e provocar a ira deste
Deus Monarca e rancoroso.
A renúncia de Bento XVI e a eleição
do Deputado Federal à presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias
desnudou esse projeto capitalista de poder. A diferença é que a ICAR,
milenarmente acostumada a lidar com esses conflitos, rapidamente substituiu o
Ratzinger por um papa teatralmente humilde que pudesse abafar tais escândalos que se propôs interpretar o papel de Francisco de Assis.
No caso de Feliciano, não há nenhum Francisco para cobrir a nudez da religião protestante. Dia após dia, as declarações do deputado tem
acalorado o debate e feito evidenciar quem de fato pretende instaurar uma ditadura
neste país. Acontece que parte da liderança religiosa protestante não compactua com tal projeto.
Contudo, não significa que irão abrir mão de alguns temas comungados com o Deputado, sendo o principal
deles impedir a garantia de direitos da população LGBT. Esta contradição causada pelo
deputado fez com que as igrejas protestantes se desnudassem publicamente.
Logo, lideranças inconformadas com
parte das posturas de Feliciano encontram-se numa encruzilhada: ou se
manifestam contra essa concepção teológica levada ao extremo pelo deputado ou continuarão a se banhar com o sangue de mulheres, negros, e sobretudo lésbicas, gays, bissexuais,
travestis e transexuais derramados literalmente por esses discursos
intolerantes. Assim como Ratzinger desnudou, com sua renúncia, a crise
teológica capitalista da Igreja Católica, Feliciano com suas declarações e todo seu passado religioso vindo à tona também desnudou a vergonhosa prática de
poder econômico, na qual grande parte das Igrejas Protestantes estão atoladas. Ficou
cada vez mais evidente que a teologia moderna em grande parte dessas
instituições religiosas traduz-se em notas polpudas de reais e débitos bancários.
Como cristão praticante e membro da
Igreja da Comunidade Metropolitana, eu não penso nem defendo que a mudança de
postura teológica desses que hoje se encontram indignados contra Feliciano
tenha de ser a aceitação de LGBT em suas comunidades, gozando dos mesmos
privilégios que fiéis heterossexuais. Somos protestantes e, como tais, acreditamos que a fé não é propriedade da Igreja. Por isso, acreditamos e construímos nas ICM a teologia do Evangelho verdadeiramente inclusivo.
Cabe a a essas outras comunidades cristãs definirem, como bem entenderem, suas normas de condutas internas. O que acredito e entendo ser o desafio dessas lideranças é diferenciarem o Estado das Instituições Religiosas, garantindo e defendendo a laicidade do Estado, bem como diferenciar a seus fiéis o ser cristão e o ser cidadão, isto é, mostrar e defender publicamente que suas normas de condutas não devem ser impostas a pessoas que não pertencem a suas comunidades, muito menos querer fazer destas normas, a norma do Estado.
Cabe a a essas outras comunidades cristãs definirem, como bem entenderem, suas normas de condutas internas. O que acredito e entendo ser o desafio dessas lideranças é diferenciarem o Estado das Instituições Religiosas, garantindo e defendendo a laicidade do Estado, bem como diferenciar a seus fiéis o ser cristão e o ser cidadão, isto é, mostrar e defender publicamente que suas normas de condutas não devem ser impostas a pessoas que não pertencem a suas comunidades, muito menos querer fazer destas normas, a norma do Estado.
Se de fato, tais lideranças
concordam que as práticas desse deputado violam o Estado de Direito de nosso País,
está mais do que na hora de começarem a dizer a seus fiéis e à sociedade como um
todo que os direitos da população LGBT, independente das normas de condutas de
fé, devem ser garantidos, porque são Direitos Humanos.
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