O que é esse fenômeno que tem tomado o Brasil há anos e
se construído na Avenida Paulista como a maior concentração de pessoas com
direito a inclusão no Guiness Book? Alguns acham que é um carnaval fora de
época, outros acham que é um desrespeito à família, mas há os que vêem nela um
grande ato político. Eu afirmo: As Paradas do Orgulho LGBT são uma grande festa
política.
A Parada é sim uma grande festa, mas isso não a faz
perder seu caráter político. É um dos poucos movimentos que evidencia um grave
problema social da cultura capitalista nos centros urbanos: o isolamento das
pessoas e a eliminação do espaço público como espaço de convivência. A rua, que
até a era pré-vitoriana era o espaço das grandes feiras, recreações infantis,
de encontros sociais, das práticas sexuais gratuitas, tornou-se o espaço de
indivíduos isolados, trancafiados em suas casas, em suas angústias,
afundando-se em suas depressões e remédios e tornando cada vez mais o espaço
público em terra de ninguém. A Parada traz para o centro do Capitalismo os
excluídos, os párias, as "aberrações" que insultam a moral católica,
traz a noite marginal dos grandes centros para brilharem com todo glamour e
fechação a dura realidade da violência que vivenciam no dia-a-dia. A rua, que,
de espaço de convivência e confraternização social na era pré-vitoriana,
tornou-se o fora da família burguesa, passou a ser tratada como a margem onde
tudo o que sobra da casa burguesa, todo o lixo é depositado nela. Tomarmos a
rua é ressiginificar o próprio sentido desse espaço.
Nossa linguagem política é completamente diferente do
que se acostumou a esquerda ainda presa ao merchandising capitalista. Nosso
discurso não é a palavra verbal, a palavra verdade herdeira do pensamento
iluminista. Nosso discurso é uma semiótica da perversão: da travesti que mostra
sua feminilidade com seus peitos siliconados de fora; do homem que inverte sua
condição de sujeito sexual, tornando-se objeto de prazer para outros homens;
das mulheres que rompem a lógica da feminilidade machista para desenharem em
seus corpos como donas do prazer provocando desejos em outras mulheres; da
“pintosa” de periferia que dá seus closes em plena luz do dia e mostra seu jeito
livre de ser feliz. Como afronta à hipocrisia cristã que oprime diariamente
toda a sociedade, os sujeitos políticos que se manifestam na Parada operam uma
estética da perversão, carregando na forma o seu mais valioso conteúdo político
como enfrentamento às normas que nos oprimem. Em cada forma e em cada estética
manifesta vê-se o grito de que somos sujeitos do nosso corpo e queremos o nosso
direito à felicidade. Entrar nesse espaço e encontrar seus iguais nesse mundo
de diversidade é sentir-se pertencer, é se empoderar como sujeito social, até
mesmo nas pegações mais intensas ou menos intensas que acontecem durante o
percurso da parada. Nesse contexto, a política que mais se pratica é a da
desconstrução da moral hipócrita, do questionamento do que se define como certo
ou errado, da implosão dos valores sociais que nos oprime diariamente. Somos A
Banda de Chico Buarque que sacudimos, mesmo que por algumas horas, as vidas
encasuladas da sociedade.
A Parada do Orgulho LGBT de São Paulo deve ser entendida
em um contexto mais amplo que o da Avenida Paulista. Este ano a Parada superou
seu recorde, trazendo quatro milhões de pessoas, apesar da chuva e do frio.
Essa mobilização numérica alimenta e incentiva o acontecimento das outras
duzentas e cinquenta paradas que ocorrem ao longo do ano e também se sustenta
nelas em uma relação de interdependência recíproca. Para além da principal
avenida de São Paulo, as Paradas formam um único corpo espalhadas por todo o
Brasil. Essa movimentação de Paradas no Brasil e no mundo é o dinamus político
que incentiva e fortalece a realização de ações em outros países que não
permitem quaisquer manifestações em defesa desse tema. Na Rússia, no dia 28 de
maio, militantes LGBT, apesar de o Prefeito de Moscou ter proibido a realização
da Parada, se concentraram na Praça Vermelha. Em nome de uma “moral social”,
religiosos e skinheads foram lá rechaçar qualquer manifestação dessas
militantes. Certamente, a coragem dessa militância de enfrentar a opressão
institucional e de grupos conservadores e reacionários tem sido alimentada e
fortalecida pelas Paradas que ocorrem em outros locais do mundo, entre elas, a
maior de todas – a Parada do Orgulho LGBT de São Paulo. E certamente, em países
que criminalizam a homossexualidade, se levantarão outras e outros militantes,
movidos pelo efeito que nossa Parada exerce sobre eles, para encampar a luta
contra a homofobia.
O tema da Parada de São Paulo este ano foi: “Amai-vos
uns aos outros: basta de homofobia”. Como uma sociedade cristã prega tanto o
amor, mas autorizam a morte de travestis? Ou autorizam que jovens sejam
gratuitamente agredidos na Avenida Paulista? Ou autorizam a exclusão de
crianças das escolas motivada pelo bulliyng homofóbico? Ou proíbem o casamento
legal de LGBT e a não adoção de crianças por casais homoafetivos? Se há amor,
deve haver respeito. E para haver respeito é fundamental que nenhum direito
seja violado. Se há amor deve garantir direitos iguais: nem menos, nem mais. O
clamor que se ouve nas Paradas LGBT em São Paulo, no Brasil e no mundo pode ser
traduzido pela famosa frase de Rosa Luxemburgo: Por um mundo onde sejamos
socialmente iguais, humanamente diferentes e totalmente livres.
Texto escrito em 2011 e publicado originalmente no site da Revista Caros Amigos.
Texto escrito em 2011 e publicado originalmente no site da Revista Caros Amigos.
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